A internet sempre prometeu um certo tipo de conexão entre as pessoas, e essa promessa está cada vez mais perto de se tornar realidade: nós podemos falar com qualquer pessoa, a qualquer hora e em qualquer lugar! Mas embora a web tenha nascido no texto puro do IRC e fóruns de discussão, a expectativa era que, hoje em dia, todas nossas conversas fossem multimídia, dinâmicas e visuais.
“A trasmissão de áudio e vídeo nos permitirá utilizar nossas vozes, expressões faciais e linguagem corporal — será quase como uma conversa real”, imaginou o ciberpsicológo John Suler nos idos de 1996. “Será que quando isso acontecer, os chats cairão em desuso?”
Quase 20 anos se passaram, e hoje observamos uma explosão de aplicativos como o Slack, GroupMe e WhatsApp, o que sugere que os chats são mais importantes do que nunca. A promessa identificada por Suler nos anos 90 ainda está viva, mas de um jeito um pouco diferente. Salas de bate-papo oferecem um raro espaço para conversas privadas dentro de uma internet cada vez mais perigosa. Duas décadas depois, esses chats são, possivelmente, o único lugar privado da internet.
Lugares seguros
Algumas das minhas primeiras memórias da internet envolvem o AIM, da AOL. Depois de abandonar as salas de bate-papo, eu comecei a usar essa plataforma para conversar incessantemente com meus amigos, escondida na segurança do porão que abrigava o computador de mesa da minha família.
O GroupMe é o único espaço digital criado na última década que me lembra a intimidade dessas experiências. Eu mantenho um chat no GroupMe com alguns amigos de Nova York, e é lá que conversamos sobre tudo e nada — trabalho, preocupações, vida amorosa, a nova polêmica do Twitter — durante muitas horas por dia. O aplicativo nos permite criar uma rede social em miniatura, com nossa própria etiqueta, obsessões e memes.
“O nome do protótipo era ‘groop.ly‘, mas logo pensamos em um nome com mais apelo — GroupMe”, disse-me Sheila Raju, chefe de marketing do aplicativo. O nome é bom, mas ele também ativa o que eu chamo de inconsciente coletivo. O GroupMe é uma das interações sociais mais íntimas da internet, uma interação da qual passei a depender. Se o Twitter é um megafone em uma praça, esses chats são conversas silenciosas em mesas de cafés. O GroupMe oferece intimidade e autenticidade.
“Nos chats, nós sabemos quem é nosso público — nós podemos errar”, disse o Dr. Bernie Hogan, pesquisador de interação entre humanos e computadores no Instituto de Pesquisa da Internet de Oxford. “Nós podemos dizer algo idiota e retirar o que foi dito muito mais facilmente do que em uma situação pública.”
Por causa dos contatos profissionais sempre à espreita, manter uma conta em qualquer rede social está cada vez menos divertido e mais trabalhoso. Chats em grupo são refúgios onde podemos falar besteira com nossos amigos. Quando a internet parece especialmente cruel, os chats privados se tornam uma necessidade. O perfil do Twitter de Kevin Nguyen, diretor editorial da Oyster Books, foi alvo de ataques de uma gangue neo-nazista. Tuitar sobre o problema só piorou as coisas.
“O GroupMe se tornou um ótimo lugar para desabafar sem esse peso”, ele me contou. “A distância, o espaço e o acesso que a plataforma oferece a tornam muito poderosa. É só lançar um pensamento ou sentimento; alguém pode estar lá para responder.”
Na ausência de políticas anti-assédio efetivas na maioria das grandes redes sociais – embora o Twitter esteja se esforçando para melhorar sua política de bloqueio – os chats em grupo são o cantinho da internet destinados à empatia e à compreensão, sentimentos que parecem não ter mais espaço na rede mundial de computadores. Esses pequenos refúgios nos protegem da promessa utópica da internet dos anos 90 — conexão instantânea com toda a humanidade em qualquer parte do mundo — que, como bem sabemos, se revelou uma ameaça.
O clube da internet
De janeiro a outubro de 2014, os usuários ativos do Slack subiram de 4.000 para 250.000. Em fevereiro deste ano, já eram 500.000. Criado como uma ferramenta de produtividade para empresas, o app passou a ser utilizado como uma plataforma de chat semelhante ao GroupMe. O apelo é óbvio — porque limitar esse tipo de comunicação à empresas, quando todos nós poderíamos usufruir dela?
“O Slack é um condutor de cultura”, afirma Stewart Butterfield, co-fundador do sistema. Assim, a plataforma se tornou uma micro-comunidade, uma lagoa pacífica isolada do grande oceano da internet.
“Esses espaços privados permitem que as pessoas improvisem e se divirtam sem se preocupar com o que elas estão compartilhando ou com seu histórico na internet” diz Alexis Madrigal, produtor executivo do site Fusion e crítico de mídias sociais, por e-mail. Madrigal afirma que participa de um “grupo VIP para jornalistas”, e que esse grupo “funciona como os antigoslistserves, mas em tempo real.”
Em vez de ser criado para uma empresa ou grupo de colegas de trabalho, um grupo VIP é um lugar para amigos íntimos colocarem o papo em dia (meu irmão mais novo, um engenheiro que trabalha na Apple, criou um desses grupos para procurar um apartamento com alguns amigos).
Esses grupos de conversa no Slack são o jardim secreto do mundo digital, um lugar para fofocar longe das consequências do universo público do Twitter. Assim como ocorre num perfil de Instagram bloqueado, os usuários precisam ser aceitos pelo grupo antes de visualizar seu conteúdo, o que garante uma maior privacidade.
Esse clima de clube VIP é crucial no desenvolvimento de uma cultura de chats privados, mas o Slack não deve ser confundido como um oásis de privacidade online. O Slack controla toda a informação que passa pelos seus servidores, e apesar desses dados ainda não serem monetizados em propagandas, o modelo do aplicativo pode muito bem mudar. Por enquanto, a empresa jura que não vai tocar nesses dados. “Nenhum executivo, incluindo o presidente, tem acesso a esses dados. Qualquer acesso é registrado e investigado”, disse a Slack para o BuzzFeed.
Mas quando todo mundo, do seu chefe à NSA, espiona suas ações nas redes sociais, é muito difícil manter um segredo. Um grupo de trabalho no Slack “é o mesmo que um e-mail conjunto da empresa”, afirmou Choire Sicha no site The Awl. Não importa o quão descontraído o ambiente pareça: não diga nada no chat da firma que você não falaria na cara do seu chefe.
Essa intimidade é real?
A crescente popularidade de chats é visível em muitos outros lugares. No WhatsApp, popular em todo o mundo por sua capacidade de burlar as taxas de SMS, você tem acesso a mais de 600 milhões de usuários ativos. O Facebook (que é dono no WhatsApp) criou também o app Rooms, para conversar com usuários semi-anônimos sobre um assunto qualquer. Ou até mesmo abrir o WeChat, com seu arsenal de formatos multimídia e emoticons.
Apesar de tamanha profusão, o chat ainda é visto como uma forma inferior de comunicação. Quando interagimos com outro ser humano, “esperamos observar todo o leque de emoções dessa pessoa”, disse Higan. “Quando nós só recebemos fragmentos comunicativos , no caso as mensagens escritas, temos que preencher as lacunas dessa interação”. Essas falhas causam muitos problemas de comunicação.
Mas na realidade, os chats criaram uma nova forma de intimidade digital.
Ironicamente, esse tipo de ambiente se tornou “hiperpessoal,” um termo cunhado em 1996 pelo psicólogo Joe Walther para definir uma situação na qual duas pessoas se comunicam à distância, podendo mudar suas personas seletivamente; essas personas, por sua vez, têm que ser decodificadas pelos dois interlocutores.
Na comunicação digital, cabe a nós determinar se um rostinho feliz é uma cantada ou se um “LOL” é sincero, sarcástico, ou apenas um signo linguístico sem significado real. Isso não torna a internet mais impessoal do que o mundo material — “Às vezes a internet se torna muito complexa’, diz Hogan. “Nós vemos coisas que nem estavam lá.”
Eu tendo a concordar com Nathan Jurgenson, um sociólogo e pesquisador do Snapchat, que define a distinção artificial entre a vida digital e vida real como uma “dualidade digital”. A comunicação digital é apenas “um tipo de interação entre tantas outras”, explica Jurgenson. Em vez de supor que todo mundo com quem conversamos é um robô, nós podemos compreender a experiência dos chats ao vê-los como parte integral da nossa relação com outros seres humanos.
A comunicação digital pode ser imperfeita, mas, tendo crescido com ela, me sinto fluente nessa linguagem, capaz de interpretar o que outros estão dizendo mesmo dentro de uma sala do GroupMe ou de uma janelinha do Slack. Costumo me achar mais eloquente em chats do que em situações sociais corriqueiras. Tenho mais confiança no que estou dizendo e nas pessoas para quem estou falando, um benefício do intervalo de milésimos entre o que eu digo e o que é lido. Eu não vejo diferença entre minha persona virtual e a minha persona real — às duas compartilham as mesmas manias e defeitos.
Creio que a intimidade dos chats me permite mostrar mais facetas da minha identidade, me conectando diariamente com grupos diversos — amigos, colegas, confidentes — que estão em lugares longínquos onde eu nunca chegaria sozinha.
Conforme a “vida real” se insere na vida digital – e vice-versa — os chats se tornam mais do que uma unidade da organização social.
A internet como refúgio
Nos anos 90, quando Suler estava mergulhando no novo campo da ciberpsicologia, a internet era, por definição, um ambiente mais íntimo. Em 1996, a internet contava com apenas 36 milhões de usuários; hoje, são mais de 3 bilhões. A distinção entre os espaços públicos e privados mudou junto com esse crescimento, e essa mudança ainda está em curso. Estamos começando a entender que as monstruosas plataformas sociais que ajudamos a construir podem ser ambientes extremamente hostis.
Não é só a NSA que nos incentiva a procurar ambientes digitais mais seguros. A verdade é que nós queremos no proteger uns dos outros. Chats em grupo possuem todas as vantagens da internet e das mídias sociais — comunicação facilitada, compartilhamento instantâneo, um sentimento de pertencimento — e os leva para um âmbito pessoal, algo muito mais agradável do que a magnitude da escala mundial.
Suler notou esse paradoxo quando falamos sobre a peculiar durabilidade dos chats. Nós “vemos beleza no simples e calmo ato de rolar o mouse por um fluxo de palavras”, ele escreveu. O chat “é uma arte que não deve morrer”.
Na minha opinião, essa troca instantânea cria um ambiente que destrói as barreiras entre nossas vidas reais e digitais, um local onde sabemos quem somos, assim como eu sei quem sou quando estou em um bar com meus amigos mais próximos, rindo e competindo para ver quem fala mais alto.
Numa tarde de novembro, minha sala no GroupMe parou de funcionar. Meus amigos e eu trocamos alguns tweets, lamentando em público a morte de nosso chat privado. Nós até tentamos criar uma conta no Slack, mas o clima profissional não era o que a gente queria. Quando o problema técnico foi solucionado e o app voltou à vida, nós voltamos para o GroupMe como um bando de adolescentes, mais uma vez juntos e seguros.
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